Nesta última semana o Google cumpriu a promessa que muitos achavam só um blefe: deixou de censurar suas buscas na China e teve seu principal site imediatamente bloqueado pelo governo do país. Para quem não sabe, a história começou quando a empresa descobriu um ataque hacker chinês em seu provedor de emails, atingindo as contas de dissidentes e ativistas pró-direitos humanos na China. A grande suspeita (não confirmada, mas sub-entendida) é que o ataque tenha sido articulado pelo próprio governo chinês. A empresa de Mountain View rodou a baiana, ameaçou rever a censura que havia concordado em fazer para manter seus serviços no país e também mencionou a possibilidade de encerrar suas operações por lá.
Bem, o primeiro passo foi dado. Agora só resta saber se realmente o Google fechará seu escritório em Pequim.

O mais significativo neste caso, a meu ver, é uma mudança de paradigma. Uma empresa, a maior empresa, abdicando do maior mercado consumidor do planeta, aparentemente por questões ideológicas. Sim, o Google, apesar de não ser o principal buscador na China, pode deixar de ganhar bilhões de dólares ali, se considerarmos o longo prazo. E o motivo: discordar dos métodos do governo de Pequim para o controle da informação.
Se o Google não gosta da censura chinesa, porque foi para lá e aceitou jogar segundo as regras do regime comunista? A justificativa era que, ainda que censurado, o seu serviço poderia colaborar de alguma forma com o avanço da democracia por lá. Ou seja: melhor um pouco do que nada.
Mas quando se viu invadido por hackers, a história mudou. Parece que ficou claro para os americanos de Mountain View que a internet controlada é mais prejudicial do que benéfica. E também deve ter ficado claro que o modelo da empresa estava em perigo ao aceitar invasões ao seu sistema (que deveria ser superseguro).
Vejo algo de valor na atitude tomada pelo Google. Muitas empresas, mas muitas mesmo, fechariam os olhos para este episódio, abafariam o caso ou entrariam em algum acordo com o governo e continuariam a ganhar seus milhões. Aliás, desconfio que muitas companhias fazem isso corriqueiramente.
O capital é infinitamente mais persuasivo do que qualquer ideologia. Milhares de empresas não só vendem seus produtos e serviços na China como também fabricam ali, com mão-de-obra barata, outros tantos.
A China é uma potência atômica, com 2 bilhões de habitantes e um histórico imperialista que faz os EUA parecerem amadores. Não é uma decisão fácil encarar esse gigante. O Google encarou, fazendo jus ao seu lema interno: “Don’t be evil” (não seja mau). Aliás, muitos estavam questionando este slogan, inclusive eu, pois a empresa tem adotado práticas concorrenciais muito similares à da Microsoft e seu CEO, Eric Schimidt tem dado declarações polêmicas à granel. Mas a esta atitude muda tudo. Volto a dar meu crédito ao Google. Só espero que eles não entrem num acordo e tudo volte ao normal, mas conhecendo o outro lado, o governo chinês, acho que esta hipótese está fora de questão, principalmente porque outras empresas gostaram da atitude e estão seguindo o Google, saindo da China.
Como esta atitude irá influenciar o jeito como se faz negócios no mundo? Acho que, a princípio, nada vai mudar. Mas, vamos olhar um outro aspecto: Sergei Brin, fundador do Google tem apenas 36 anos. Ele, com certeza é um Beta e possui uma formação e visão de mundo muito distinta das gerações anteriores. Ao lado de Larry Page, ele criou uma empresa baseada na inovação, na quebra de paradigmas, no fazer diferente. As outras grandes corporações ainda vão demorar muito para assimilar este novo mundo, porém empresas são feitas por funcionários. Com o passar dos anos, a geração Beta assumirá as principais posições na hierarquia do mundo corporativo. Resta saber se os acionistas também pensarão com base em outros valores que não sejam o lucro. Mas isso é assunto para um outro post.